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EC 132/23 e as organizações religiosas
Artigo que trata das mudanças trazidas pela EC 132/23 e as organizações religiosas
A reforma tributária brasileira, consolidada pela EC 132/23 e pela LC 214/25, redesenhou profundamente o ambiente tributário e fiscal do país, trazendo implicações diretas à imunidade tributária das organizações sem fins lucrativos. No que tange especificamente às entidades religiosas, verifica-se que a EC 132/23 trouxe significativa alteração não só a respeito da abrangência da imunidade tributária, mas também em relação à sua própria definição constitucional. Vejamos o texto comparado:
Assim, o texto da reforma tributária, ao expandir o texto constitucional, confirmou entendimento já sedimentado pela doutrina e jurisprudência pátria, os quais há tempos propagam que o tratamento tributário diferenciado das entidades religiosas não se limita ao templo em que se realizam os cultos, mas abrange todo o seu patrimônio e renda relacionados às suas finalidades, inclusive as atividades de cunho social.
O objetivo da imunidade religiosa é evitar que o Estado utilize a tributação como meio de dificultar as atividades das entidades religiosas, assegurando o pleno exercício da liberdade de crença e preservando a neutralidade estatal em relação a todas as religiões.
Tal conceito está enraizado no princípio da liberdade religiosa, que é um direito fundamental, consagrado pela CF/88, também relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana que está no centro dos direitos fundamentais. O constituinte originário trazia em seu texto certa limitação à fruição da imunidade ao local de culto apenas; no entanto, não abarcava toda a realidade do exercício das atividades religiosas. Após a referida alteração constitucional, o texto do art. 150, VI, "b", traz uma redação mais ajustada à doutrina e jurisprudência que se fixaram ao longo dos anos desde 1988.
Quanto ao termo "templo" do texto originário, tem-se que, ao longo dos anos, a doutrina brasileira se debruçou sobre o tema com escopo de consolidar a correta interpretação do termo, passando-se pela teoria clássica, liberal e, por fim, culminando-se na teoria moderna, a qual conduz à interpretação do termo "templo" no sentido mais amplo, que coaduna com o texto trazido pela reforma tributária ao art. 150, VI, "b", pois a teoria buscou alcançar, através do termo, a entidade religiosa como um todo. Assim, nas palavras do professor Eduardo Sabbag, temos que:
III. Teoria moderna (concepção do templo-entidade): Conceitua o templo como entidade, na acepção de instituição, organização ou associação mantenedoras do templo religioso, encaradas independentemente das coisas e pessoas objetivamente consideradas. No sentido jurídico, possui acepção mais ampla que pessoa jurídica, indicando o próprio estado de ser, a existência vista em si mesma. Nessa medida, o templo-entidade extrapola, no plano conceitual, o formato da universitas rerum, destacado na teoria clássico-restritiva, e a estrutura da universitas juris, própria da teoria clássico-liberal, aproximando-se da concepção de organização religiosa em todas as suas manifestações, na dimensão correspondente ao culto. [...]
Pignataro, Campos e Santana, na obra Terceiro Setor e Tributação 11, volume 11, edição 2023, página 368, registram:
"[...] a ideia de "templo" previsto na Constituição diz respeito não apenas ao local onde os cultos são realizados, mas às áreas contíguas ao templo, como, por exemplo: creches, quadras esportivas, estacionamentos, cemitérios, salões sociais etc."
Quanto ao termo "culto", Roque Antonio Carrazza já lecionava que se trata de: "a) crença comum num Ser Supremo e Transcendente; b) alguns atos de culto, disciplinando a relação dos fiéis, que devem ser em número significativo, com o Ser Supremo e Transcendente, em que creem; c) uma organização jurídica, por mínima que seja, indicando a designação da entidade, seu regime de funcionamento e de seus órgãos representativos (ministério sacerdotal, pastoral ou hierárquico); d) certa estabilidade, isto é, vontade de perdurar no tempo."
À luz destas breves considerações sobre a expressão "templos de qualquer culto", merece destaque o reconhecimento pelo STF de imunidade tributária a cemitério religioso, no paradigmático julgamento do RE 578.562/BA, o qual firmou importante entendimento e precedente sobre o tema. Senão, vejamos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, B, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO.
1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles.
2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, b.
3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido.
(STF - RE: 578562 BA, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 21/05/2008, Tribunal Pleno)
No mesmo rumo, temos a decisão da Suprema Corte (STF) proferida no julgamento do RE 325.822, relator ministro Ilmar Galvão, redator do acórdão ministro Gilmar Mendes, plenário, FJ de 18/12/02, que firmou-se entendimento de que a imunidade tributária concedida aos templos abrange o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das instituições religiosas, não apenas o local de celebração de culto religioso. Isso se dá em decorrência do §4º do art. 150, CF/88, que equiparou as alíneas "b" e "c" do inciso VI.
Quanto aos rendimentos dos "templos", ou seja, das entidades religiosas, a doutrina também já se posicionava em favor de serem alcançados pela imunidade tributária, desde que tais receitas fossem aplicadas às finalidades essenciais, em observância ao §4º do art. 150 da CF/88. Assim, Regina Helena Costa leciona que:
"Pensamos que o que a Lei Maior exige é uma correspondência entre a renda obtida pelo templo e sua aplicação; então havendo relação entre a renda e as finalidades essenciais, satisfeita estará a vontade constitucional. Logo é a 'destinação' dos recursos obtidos pela entidade o fator determinante do alcance da exoneração constitucional."
Como se verifica, ao longo dos anos solidificou-se o entendimento de que, ao mencionar "culto", o constituinte originário referiu-se à religião, e ao indicar "templo", quis dizer tudo aquilo de que a entidade religiosa faz uso para atingir os seus fins, de modo que a expressão "templos de qualquer culto", na verdade, já se referia à entidade na acepção de instituição.
Assim, a nova redação da alínea "b", trazida pela EC 132/23, descrita acima, está em consonância com o arcabouço jurisprudencial. Mas também cumpre mencionar o acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé, firmado na Cidade do Vaticano em 13/11/08, que dispõe em seu art. 15: "Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com a Constituição brasileira".
Nesse sentido, não resta dúvida quanto ao intento do novo texto constitucional, ao trazer a proteção da imunidade tributária à entidade religiosa em si (patrimônio, renda ou serviços) e não apenas ao local de culto de forma restritiva. Inclusive, o constituinte derivado, extirpando qualquer "sombra de dúvida", é taxativo ao incluir no texto constitucional outras formas de atuação em prol da sua causa.
Ademais, com a promulgação da EC 132/23, o inciso VI, alínea "b", do art. 150 da CF/88 passou a prever de forma expressa a imunidade tributária não apenas para templos de qualquer culto, mas também para suas organizações assistenciais e beneficentes. Essa ampliação da redação constitucional, ao incorporar expressamente essas entidades no escopo da imunidade, introduz novos elementos interpretativos que demandarão atenção da doutrina e da jurisprudência.
A expressão "organizações assistenciais e beneficentes", incluída na parte final do dispositivo, remete a um campo conceitual que ainda carece de delimitação precisa. Assim como os termos "templo" e "culto" já foram objeto de intensos debates interpretativos, é razoável esperar que a definição jurídica e os limites desse novo grupo de instituições também exijam aprofundamento teórico e normativo.
O novo texto constitucional parece abarcar, em princípio, pessoas jurídicas que, embora não exerçam atividades estritamente religiosas, mantêm algum tipo de vínculo formal com a entidade religiosa matriz - sejam elas mantidas, coligadas, filiadas ou de qualquer forma institucionalmente integradas. Trata-se, portanto, de uma abertura que poderá incluir entidades com finalidades assistenciais, educacionais, de saúde ou filantrópicas, cuja atuação esteja alinhada com os valores e objetivos da organização religiosa a que se vinculam, mas que não necessariamente exerçam funções de culto.
Essa alteração traz consigo uma problemática relevante: a necessidade de se estabelecer critérios objetivos para caracterizar a vinculação institucional entre a entidade religiosa e suas organizações assistenciais e beneficentes, para não comprometer o frágil equilíbrio do sistema tributário e gerar novas demandas administrativas e judiciais.
Além disso, será necessário observar como os tribunais interpretarão essa nova redação frente a situações concretas, especialmente no que diz respeito ao cumprimento dos requisitos para o gozo da imunidade no que tange aos impostos e às contribuições sociais, frente ao CTN e à legislação específica. A própria noção de "beneficente", por exemplo, já foi objeto de debate ao longo de mais de 20 anos no STF em outros contextos constitucionais e legais (culminando na edição da LC 187/21), o que pode gerar tensões interpretativas.
Antes da EC 132/23, o termo "entidade beneficente de assistência social" era utilizado de forma específica apenas nos arts. 195, §7º, e 204, inciso I, sempre em contextos que remetem a instituições que prestam serviços nas áreas da educação, saúde ou assistência social, sendo tradicionalmente vinculadas ao regime jurídico de certificação previsto em legislação infraconstitucional - hoje disciplinado pela LC 187/21 (CEBAS).
Por outro lado, a expressão "organizações assistenciais", ainda que semelhante, pode abranger entidades que atuam exclusivamente na área da assistência social, conforme os parâmetros da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social (lei 8.742/1993), ainda que não certificadas como beneficentes. Essa distinção, para os profissionais do direito que atuam exclusivamente neste segmento, pode ser evidente. Entretanto, poderá gerar sobreposição ou conflito de regimes jurídicos, especialmente em relação a exigências de certificação distintas entre as esferas Federais, estaduais e municipais.
A nova redação constitucional do que tange à imunidade de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços, ao utilizar ambos os termos - "assistenciais" e "beneficentes" - lado a lado, carecerá de esclarecimento para que se evite rediscussão de temas já debatidos no passado e de novos questionamentos normativos e operacionais: quando o texto faz referência a instituições beneficentes, ele realmente se refere àquelas que são certificadas pela lei 187/21? As entidades vinculadas a entidade religiosa não são as mesmas pessoas jurídicas recepcionadas no art. 150, VI, "c"? Se são as mesmas, será necessário adicionar mais mecanismos de controle e fiscalização além dos já existentes? Criou-se uma espécie de instituição imune com status religioso?
A nova redação da alínea "b", que passa a incluir expressamente as "organizações assistenciais e beneficentes" ligadas a entidades religiosas, pode levar à interpretação equivocada de que existe uma nova hipótese de imunidade, paralela à da alínea "c". Ademais, quando se traz a referência da qualidade "beneficente" de uma instituição brasileira, trata-se da imunidade no tocante às contribuições para a seguridade social.
Ou seja, a inclusão de novas pessoas jurídicas no art. 150, VI, "b", fragmenta o sistema e compromete a coerência do regime das imunidades constitucionais.
Por fim, concluindo sobre o tema das organizações vinculadas às entidades religiosas, mas agora sob a égide da imunidade tributária do ITCMD, o novo texto constitucional recepciona o seguinte:
Art. 155, VII: "não incidirá sobre as transmissões e as doações para as instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos, e por elas realizadas na consecução dos seus objetivos sociais, observadas as condições estabelecidas em lei complementar".
Como mencionamos anteriormente, as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas não são enquadradas como religiosas em si. Por outro lado, ao serem mencionadas de modo destacado, pode-se criar a ideia equivocada de nova conceituação legal de pessoas jurídicas, quando na verdade já estão abarcadas como instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, nos próprios textos do art. 155, VII e nos textos constitucionais e infraconstitucionais já existentes no nosso ordenamento jurídico pátrio.
Concluindo, o novo texto do art. 150, VI, "b", representa uma adequação histórica necessária no que tange ao aspecto religioso, alinhando-se à doutrina e à jurisprudência já consolidadas. No entanto, exagera ao introduzir, de forma pouco precisa, outras pessoas jurídicas vinculadas às entidades religiosas, o que pode gerar interpretações dúbias. Por essa razão, será indispensável o desenvolvimento de uma interpretação sistemática e finalística, que leve em consideração tanto a letra da Constituição quanto os princípios da ordem tributária e a função social das imunidades já existentes. Tal interpretação deverá resguardar a proteção constitucional adequada, assegurando eficácia ao dispositivo dentro do contexto do terceiro setor e suas instituições.
Cabe ainda mencionar que as atividades de relevância pública e social desenvolvidas por entidades religiosas são reconhecidas há anos pelo Poder Público. Isso foi formalizado com a publicação da lei 13.019/14 (MROSC), que incluiu as organizações religiosas no rol das organizações da sociedade civil, autorizando-as a firmar parcerias com o Poder Público para o desenvolvimento de atividades de interesse público, sem a necessidade de criação de um novo CNPJ.
Por outro lado, uma organização religiosa, em si, não pode obter a certificação CEBAS, pois essa certificação se destina exclusivamente a entidades que atuem preponderantemente nas áreas de assistência social, saúde ou educação, o que não corresponde ao objeto principal de uma entidade religiosa.
Dessa forma, embora as entidades religiosas não sejam obrigadas a criar associações autônomas para o desenvolvimento de suas ações sociais e beneficentes - podendo utilizar seu próprio CNPJ para essas atividades, inclusive em parcerias com o Estado -, é certo que, principalmente após a alteração do texto constitucional, a criação de pessoas jurídicas específicas com finalidade assistencial ou beneficente pode representar melhor aproveitamento das benesses da reforma tributária, permitindo uma gestão mais eficiente e especializada, tanto no que diz respeito às certificações quanto à correta aplicação da legislação tributária.
Assim, a reforma tributária representa um marco relevante para as entidades religiosas no Brasil, ao reafirmar e ampliar a imunidade tributária em consonância com a evolução doutrinária e jurisprudencial, especialmente quanto à abrangência sobre o patrimônio, a renda e os serviços relacionados às finalidades essenciais das organizações. Ainda que subsistam pontos que demandem aprofundamento jurídico - sobretudo no que diz respeito à qualificação e à vinculação das organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas -, é inegável que o novo texto constitucional, ao ampliar a concepção de "entidade religiosa" para além da ideia estrita de "templo de qualquer culto", introduz impactos significativos no ambiente fiscal e exige atenção redobrada quanto à sua aplicação prática e integração com o sistema tributário nacional.
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